domingo, 24 de outubro de 2010

SOBRE FÉ E MAR

Devocional por Jason Simões

“Logo em seguida, forçou seus discípulos a embarcarem e seguirem antes dEle na outra margem, para Betsaida, enquanto despedia a multidão. E, deixando-os, foi à montanha para orar. Ao cair da tarde, o barco estava no meio do mar e ele sozinho em terra. Vendo que se fatigavam a remar, pois o vento lhes era contrário, pela quarta vigília da noite dirigiu-se a eles, caminhando sobre o mar. E queria passar adiante deles. Vendo-o caminhar sobre o mar, julgaram que fosse um fantasma, e começaram a gritar, pois todos o viram e ficaram apavorados. Ele, porém logo falou com eles, dizendo: ‘Tende confiança. Sou eu. Não tenhais medo’”. (Marcos 6: 45-50)

Uma canção de Guilherme Kerr Neto inicia com a seguinte frase: “O que fazer se o coração não consegue mais crer no que sabe ser verdade? O que fazer se o coração não consegue entender o porquê da tempestade?” Gosto dessa canção por que ela nos lembra que a vida, às vezes e inexplicavelmente, fica conturbada e põe em xeque as nossas crenças; questiona, põe à prova os nossos conceitos. Afinal, eu creio? No quê? Qual o significado da minha fé? O texto que lemos é um bom ponto de partida para meditarmos sobre o que significa crer em Jesus e obedecê-lO.

Enfrentando o mar (v.45)

O texto nos diz que Jesus ordenou aos discípulos que entrassem no barco e fossem para o outro lado sem Ele. Os discípulos obedeceram a Jesus, entraram no barco e puseram-se a navegar. Para eles, uma atividade prosaica, nada de especial; afinal, entre eles havia pescadores profissionais, experimentados na navegação: Tiago, João, André e Pedro. O horário em que Jesus os despede também não significava grande obstáculo, era o entardecer daquele dia maravilhoso em que Jesus realizara o milagre espetacular da multiplicação dos pães e peixes. Mas os pescadores estavam acostumados a navegar durante a noite. Lucas nos dá esta informação na narrativa da pesca milagrosa: “Simão respondeu: ‘Mestre, trabalhamos a noite inteira sem nada apanhar; mas, porque mandas, lançarei as redes’” (Lc. 5:5). Ademais, o mar da Galiléia não lhes era desconhecido. Mas, naquela noite o mar estava agitado. As ondas do mar açoitavam o barco e o vento soprava contra os discípulos. A dificuldade era tanta que eles se fatigaram a remar contra a força do mar (v.48).

Aqui já podemos tirar uma primeira lição. Jesus não pede que façamos nada que esteja além de nossas forças, além da nossa capacidade de realização. O que Ele ordena aos discípulos é plenamente factível, ou seja, atravessar o mar. Às vezes achamos que obedecer às orientações de Jesus, seguir as Suas diretrizes, andar nos Seus caminhos é difícil demais para nós, beira o impossível. Mas, não é bem assim. Jesus nos conhece e sabe dos nossos limites e de nossas capacidades “...Deus é fiel, não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças...” (I Cor. 10:13). Aquilo que Jesus requer de nós é algo que podemos suportar, o mesmo texto de I Coríntios nos assegura que, juntamente com a provação, Ele providenciará também os meios de sair dela e a força para que a possamos suportar. Podemos seguir os passos de Jesus, podemos obedecê-lO! Ele é fiel para nos sustentar em meio às tribulações que enfrentamos.

À Quarta Vigília da Noite (v.48)

Os romanos dividiam a noite em quatro partes de três horas, ou “vigílias” – aqui, Marcos utiliza a divisão romana. A primeira vigília ia das dezoito horas até as nove da noite; a segunda vigília ia das nove horas até a meia-noite, a terceira ia da meia-noite às três da manhã e, a quarta vigília, das três às seis da manhã. O versículo quarenta e oito fala que por volta da quarta vigília da noite, Jesus dirigiu-se ao encontro dos discípulos. Isto significa dizer que durante boa parte da noite os discípulos enfrentaram sozinhos a contrariedade do vento e o açoite das ondas. Durante várias horas os discípulos navegaram sozinhos dentro da noite escura e já estavam no limite de suas forças, já tinham esgotado todos os recursos de que podiam lançar mão. Depois de tanto tempo enfrentando a violência das ondas e o rigor do vento, eles já não tinham mais para o que apelar. Justamente nesse momento crucial, quando já não dava mais para esperar, Jesus dirige-se ao encontro dos discípulos. No momento mais angustiante Jesus foi ao encontro dos Seus discípulos. Jesus não abandona aqueles que são Seus.

Às vezes é assim que ocorre na nossa vida. À semelhança dos discípulos, os quais sob as ordens de Jesus entram no barco e navegam para ‘o outro lado’ (v.45), obedecemos as ordens de Jesus, seguimos os Seus mandamentos, pautamos nossas ações segundo Suas orientações, mas isto não impede que a tempestade nos alcance. E quando a tempestade chega e alcança o mar da nossa vida, muitas vezes buscamos o Senhor Jesus; gritamos por socorro, mas só encontramos escuridão... O que o texto nos ensina é que Jesus vem na hora certa, no momento limite, para fazer sossegar nosso coração mediante a Sua palavra. “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.” (Salmo 30:5). Esta lição os discípulos aprenderam naquela madrugada em meio ao mar revolto.

Há um detalhe no texto que não podemos deixar passar despercebido: Jesus dirige-se ao encontro dos discípulos lá por volta da quarta vigília da noite, por que estava vendo que eles se fatigavam a remar. Jesus vê o nosso sofrer! Não somos apenas nós que vemos o quanto sofremos, o quanto nos desgastamos no enfrentamento das dificuldades e das tribulações que nos sobrevêm. Ele também vê e, por este motivo, vem em nosso socorro no momento certo. Precisamos confiar nisto. Precisamos entender que, mesmo quando não O vemos, Ele está vindo em nossa direção, pois Ele é o nosso socorro presente na hora da angústia, o nosso socorro sempre alerta nos momentos de perigo, conforme nos lembra o Salmo 46:2, 3. Por este motivo não precisamos temer, “mesmo se a própria terra vacila, mesmo se as montanhas se abalam no meio do mar, se as águas do mar estrondam e fervem, e com sua fúria estremecem os montes (...) Iahweh dos Exércitos está conosco, nossa fortaleza é o Deus de Jacó! (...) Tranquilizai-vos e reconhecei: Eu sou Deus”. Em meio à tempestade, precisamos ouvir a voz de Jesus falando conosco: “Sou eu. Tenham confiança”.

Ter confiança em Jesus é entender que os nossos desastres e tempestades não pegam o nosso Senhor de surpresa, e que todos os nossos dissabores estão sob o controle de Deus... É nisso que reside a nossa esperança: saber que o Deus da nossa vida, o Deus da nossa história também é o Deus da tempestade. Aquele que faz a pior tempestade não durar para sempre...

A canção* de Guilherme Kerr Neto, citada no início da nossa reflexão termina com o seguinte verso: “Não duvides, filho, tenha fé!”

* Canção "Tomé da Fé", Cantata "Eram Doze" - Letra: Guilherme Kerr Neto; Música: Jorge Camargo e Jorge Rehder

ESPIRITUALIDADE, CULTURA DE PAZ E O DESAFIO URBANO

Por Jamieson Simões.
Qual não foi minha expressão de perplexidade ao constatar o óbvio: A Espiritualidade no contexto urbano é um desafio vivenciado por todos. Somos parte de um povo muito religioso; mesmo com o crescente número dos “Sem-religião”, ainda assim somos um continente de gente religiosa das mais variadas matizes, africanas, ameríndias, européias e orientais inclusive.
Mas ser religioso não implica necessariamente em espiritualidade, digo isso com muito pesar, mas historicamente a religião expressa um jeito de vivência que não dialoga, nem propicia um exercício, uma prática voltada para a construção de uma cultura de/com/para a Paz, peço licença para citar um exemplo crasso – Os Jesuítas, que com sua metodologia ortodoxa “catequizavam” os habitantes primeiros deste chão à cruz e a espada.
O que estou tentando afirmar é: Não basta se religioso, nem basta ter uma experiência mística, nem muito menos viver uma espiritualidade para contribuir na construção de um mundo melhor. É preciso tudo isso, mas é necessário que estes elementos do ethos humano respondam aos desafios atuais geracionais, de sustentabilidade, de enfrentamento às diversas violências contra mulheres, crianças e adolescentes prioritariamente, que urgem nesta amálgama de contradição chamada de cidade.
Neste sentido, proponho um debruçar-se sobre algumas questões que no meu julgamento são de primeira ordem para uma compreensão e militância de uma espiritualidade que evidencie no cotidiano uma cultura de/com/para a Paz. São eles:
ESPIRITUALIDADE E O CONTEXTO URBANO – A cidade já foi vista como lugar de oportunidade, sinônimo de crescimento, de desenvolvimento, de saberes e também lugar de cura, mas esse olhar foi paulatinamente substituído pôr outros antônimos, tais como: Centro de exploração, desigualdades, lugar de morte, sofrimento e dor. É exatamente aqui que a espiritualidade tem sua principal contribuição, valores espirituais como solidariedade, amor (mesmo que soe como vocábulo desgastado, afirmamos seu poder na construção de novas relações), sentimento de pertencimento a Um todo, podem transformar a ordem da cidade, gerando espaços onde se torna possível a dignidade, o diálogo, a tolerância; enfim, torna possível a vida plena para cada habitante e de modo especial para as minorias. Encontrar o DO (caminho nas artes marciais), o KI (Energia vital, para alguns ramos orientais) é imprescindível para que as pessoas possam se harmonizar com elas mesmas e com a cidade, é preciso um religare das pessoas com o contexto urbano, no sentido de transformação das relações e dos valores que regem a vida na cidade. Aqui penso que um caminho, uma metodologia possível para esta transformação reside em educar a espiritualidade e espiritualizar a educação.
ESPIRITUALIDADE PARA EDUCAÇÃO DA ALMA – Temos em nossa cultura variados exemplos de como perceber a vida e expressar esta percepção através da alma e dos sentidos, lanço mão do vulto cultural de Patativa do Assaré para exemplificar como seria uma educação para a alma. A poesia e a música são metodologias que convidam a transcendência, feito as devidas ressalvas (Não se eleva o espírito, nem muito menos os valores escutando “A bicicletinha” ou coisa do gênero) podemos nos valer destes bens culturais da humanidade para a educação da alma. A poesia nos comunica um olhar diferenciado da vida, do amor, das situações, das perdas pessoais e coletivas, das saudades, dos lugares, sensibiliza o leitor e o convida graciosamente a partilhar de tais experiências, é um convite ao rompimento do que é comum, aparente, a poesia fala das coisas do coração, aquelas que apenas balbuciamos em ocasiões fortuitas, a poesia fala de nós mesmos, e por isso é universal e inclusiva, não conheço nenhuma Ode ao desmatamento, ou um soneto á violência, ou um repente que aluda à desigualdade das relações sociais com celebração, antes o faz como denúncia de sistemas desumanos e corruptos (vide vaca estrela e boi fubá, poema de Patativa musicalizado por Raimundo Fagner). Já pensou se as crianças em nossas escolas aprendessem a codificar os signos do alfabeto através de poesias e prosas? Nomes como Cecília Meireles, Raquel de Queiróz, Patativa do Assaré, Os Donatos na lista de autores das cartilhas? Imaginou uma educação assim? E a musicalidade? As rimas? A progressão dos versos seria diretamente proporcional a elevação das relações dentro e fora dos limites da escola. É preciso educar a alma para que esta venha a ser aquilo que mais aspira: ser humana, para humanos seres.
ESPIRITUALIDADE PARA EDUCAÇÃO DOS DESEJOS – Lembra das disciplinas espirituais? Jejum, Oração, Contemplação, Meditação, sempre fizeram parte do arcabouço das principais práticas espirituais em todas as religiões, e fora delas também. Estas práticas possuem a função pedagógica de educar nossos desejos, o jejum disciplina a boca, afinal, quem controla a boca, controla o restante do corpo e assim segue com cada disciplina educando uma parte de nós, que teimosamente insiste em não se submeter ao controle, antes é ávida por mais, sempre mais. Num contexto absurdo de concentração de renda e consumo, urge a disciplina dos desejos de posse:

Tenho minha própria religião. Freqüento a igreja das compras, onde sacrifico meu cartão de crédito em troca de objetos preciosos que me ajudam a circular pela vida. Mas quando nenhum objeto consegue me fazer descarregar a tensão, então busco o deus que eu criei em minha mente. Os que dizem que não rezam a nenhum deus ou que não tem religião alguma são uns mentirosos: Pergunta-lhes qual é a equipe de seus amores e descobrirás seu deus. (Kate Lockart, 21, UK – Orações, Ed. Paulus, 2000).

Não é a toa que os shoppings construídos em nossa cidade são como catedrais, onde se celebra a uniformidade em detrimento da diversidade, o acúmulo em detrimento da partilha, a estética em detrimento da ética. Educar os desejos e não negá-los, e a tarefa das disciplinas espirituais, nos auxiliando a encontrar um equilíbrio que torne possível a sustentabilidade da vida humana e do planeta.
 ESPIRITUALIDADE QUE LEVE EM CONSIDERAÇÃO A CONDIÇÃO HUMANA – Não consigo precisamente apontar como foi a construção do ideal espiritualizado comumente apresentado, mas fato é que a idéia do isolamento, o distanciamento da realidade, a negação dos desafios formam a matriz equivocada daquilo que aqui chamamos de espiritualidade, acredita-se neste imaginário em homens e mulheres extra-humanos, semi- divinos, capazes até de atos incríveis à nossa realidade. Esta espiritualidade equivocada não serve à construção de uma cultura de/com/para a Paz, visto que está alienada da vida, das pessoas, do divino. A espiritualidade que fortalece os vínculos e a pertença comunitária leva em consideração a condição humana que marca indelével de contradição, paradoxo, dialética e dialógica de nossa existência. Somos um devir, que ocasionalmente se apresenta no presente, mas que se torna real no futuro, estamos em construção, e a espiritualidade deve elevar o ser humano à sua potência máxima de humano-divino, ao mesmo tempo em que convida à transcendência, convida também à transformação de sua realidade e entorno, afinal, onde os pés pisam, a cabeça pensa e o coração ama, é aqui onde a espiritualidade faz a aliança entre o efêmero e o eterno, entre passado, presente e futuro, entre vida e prática, fé e engajamento político, aqui no tempo que se chama hoje, nos confrontamos com aquilo que somos e aquilo que devemos e queremos ser, e não apenas confrontar, antes apontar caminhos possíveis e coletivos para a construção deste ser humano, que em dores de parto está para nascer.
ESPIRITUALIDADE QUE FORTALEÇA A RESILIÊNCIA – Resiliência para Leonardo Boff “é a capacidade de não deixar que as coisas ruins da vida tenham a última palavra”. Gosto desta definição, ela alude á uma verdade espiritual chamada de Esperança, é aquela cisma matuta de pensar em como uma realidade hostil pode ser mitigada, é um jeito teimoso da vida de insistir na existência e não há nada mais sagrado e valioso que a vida. A espiritualidade fortalece esta capacidade comunitária e pessoal de pensar saídas, coexistência com desafios que extrapolam suas capacidades de resposta imediata, mas ainda assim resta esta teima em seguir com a vida. A figura do sertanejo que enfrenta a seca, ano após ano, ciclo de verde, ciclo de seca, mas basta o cheiro das águas e a caatinga em festa reverdece, e a vida vence sempre, seja na cheia ou na estiagem esta gente resiste, resiliente, às vezes até resignadamente, mas afirma sua luta, sua terra, seu trabalho. Também é assim na urbanicidade com os “casqueiradores” que no lixo dos que tem, encontram a subsistência sua de cada dia, com suas carroças enfrentam e vencem o demônio do trânsito, vencem a fome, superam o cansaço e arrancam o mínimo de dignidade, arrancam desta sociedade que indiferente teima em não lhe assumir como sujeito de direitos, agente de transformação e contribuição ecológica. A espiritualidade caminha com a vida e não pode ser alheia as dores e desafios comunitários. E por ser caminhante e companheira da vida reforça positivamente a Resiliência, a fé em dias melhores para sempre em toda e para toda a comunidade.
Afirmo que onde a espiritualidade se expressa respondendo a estas e outras possibilidades a cultura de/com/para a Paz encontra um terreno fértil para florescer, afinal a cultura é a tecelagem de muitos fios, família, valores, música, oralidade, arte, comida, bebida, rituais. Dentre estes fios a espiritualidade se entrelaça com aqueles que agregam valor e protegem a vida, é no altar da existência que se encontram a cultura de/com/para a Paz e a espiritualidade, que não é utópica, antes é realidade em muitas pessoas e comunidade, que aprenderam a resolver seus conflitos, a lidar com suas diferenças, sem prescindir da violência como mediadora do direito.
Nas periferias de toda grande cidade há de haver um refúgio, um nicho de resistência, que através de uma vivência espiritualizada irradia uma cultura, um modus vivente de Paz, com Paz e para a Paz. Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, verá e ouvirá.

domingo, 17 de outubro de 2010

LIDANDO COM O PRESENTE E O FUTURO

Um dos maiores problemas que enfrentamos é o medo do futuro, a dificuldade de lidar com o amanhã. A canção pergunta: “Como será o amanhã? Responda quem puder. O que irá me acontecer?...” E nós também fazemos nossos próprios questionamentos: “Será que vou morrer cedo demais? Será que terei condições de sustentar minha família dignamente pelos próximos, digamos, vinte anos? Será que conseguirei me formar, me casar, etc.? E assim por diante... O fato é que temos medo do desconhecido porque não temos controle sobre ele e isto nos atemoriza.
Lendo a Carta aos Exilados que o profeta Jeremias enviou aos seus compatriotas deportados na Babilônia, fiquei encantado com a forma como ele os encoraja a enfrentar a difícil situação que atravessavam. O texto está registrado na Bíblia Sagrada, no livro de Jeremias, no capítulo 29, nos versículos 1 até o 14a. Quando o profeta escreve a carta, o povo de Israel, ou melhor, parte do que sobrou dele estava já há algum tempo no cativeiro da Babilônia - cerca de quatro anos - e aquelas pessoas tinham sido avisadas anteriormente por Jeremias que ficariam no cativeiro por setenta anos. O povo sobrevivente trazia consigo uma expectativa: Por quanto tempo ficaremos aqui? Será que serão realmente setenta anos? É nesse contexto sombrio, de incerteza, que o profeta traz palavras de encorajamento que podem nos ajudar hoje, mesmo tendo sido ditas há muitos séculos:
“5 Construam casas e morem nelas. Plantem árvores frutíferas e comam as suas frutas. 6 Casem e tenham filhos. E que os filhos casem e também tenham filhos. Vocês devem aumentar em número e não diminuir. 7 Trabalhem para o bem da cidade para onde eu os mandei como prisioneiros. Orem a mim, pedindo em favor dela, pois, se ela estiver bem, vocês também estarão.”
O que acho fantástico nessa citação é que o profeta estimula as pessoas a tomarem pé da situação, a fincar os pés na realidade. Já que estavam lá na Babilônia, tinham mais é que viver as suas vidas, nada de ficarem a choramingar a saudade (legítima, é verdade) de sua terra natal, mas eles estavam vivos e precisavam tocar a existência. “Construam casas e morem nelas!” é um desafio ao recomeço, é um estímulo a refazer a vida. Nos momentos em que os sonhos vêm abaixo, a Bíblia nos sugere a reconstrução da vida.
Para aquelas pessoas desterradas e cativas, Jeremias escreve, ainda: “Plantem árvores frutíferas e comam as suas frutas. Casem e tenham filhos...”. Que coisa interessante! Plantar uma árvore para depois comer os seus frutos é um projeto de médio/longo prazo; casar, ter filhos e ver os netos nascerem também demanda tempo. Num contexto de morte, de desesperança e falta de perspectiva, o profeta traz uma palavra de esperança no futuro e de fé na vida.
É importante observar que a palavra do profeta transcende os limites da individualidade, engloba o coletivo. Se cada um deve reconstruir sua vida, cuidar da própria sobrevivência, esforçar-se particularmente para sobreviver; nem por isso deve esquecer de que vive em comunidade e, por isso, deve colaborar para que toda coletividade experimente a paz e o bem estar. O versículo sete fala sobre isso: “Trabalhem para o bem da cidade para onde eu os mandei como prisioneiros. Orem a mim, pedindo em favor dela, pois, se ela estiver bem, vocês também estarão.”. Trabalhar pelo bem da cidade é se engajar na construção de uma cultura de paz; além do que, expressões como altruísmo, colaboração, solidariedade e bem comum, são palavras de ordem no alimentar da esperança e na realização do futuro.
Finalmente, é necessário lembrar que se no agora temos alguma condição de interferir na realidade que nos cerca por meio do desejo de realizar e vencer as situações difíceis; existe, por outro lado, um futuro que é incerto e sobre o qual não temos controle. E, aí, depois de mostrar o que cada um pode fazer no presente por si e pelos outros, o profeta apresenta alguém que, por mover-se na eternidade, além de saber a dor do presente e também conhece o futuro. E, mais do que conhecer, tem em si o poder de interferir e garantir esse futuro.
“11 Só eu conheço os planos que tenho para vocês: prosperidade e não desgraça e um futuro cheio de esperança. Sou eu, o SENHOR, quem está falando. 12 Então vocês vão me chamar e orar a mim, e eu responderei. 13 Vocês vão me procurar e me achar, pois vão me procurar com todo o coração. 14 Sim! Eu afirmo que vocês me encontrarão.”
Há coisas que podemos fazer, outras estão além de nossas possibilidades. É nessas horas que podemos contar com o poder, a fidelidade e o amor do Deus que tem em Suas mãos o nosso futuro e com base nisso podemos enfrentar o agora com coragem e o porvir com esperança. São belos os verbos usados pelo profeta para o enfrentamento da vida: construir, plantar, trabalhar e orar. É o que podemos fazer no momento. Quanto ao futuro que tanto nos inquieta, bem, o melhor é confiar no que a Bíblia diz: “Só eu conheço os planos que tenho para vocês: prosperidade e não desgraça e um futuro cheio de esperança. Sou eu, o SENHOR, quem está falando.” Resta-nos confiar e esperançar.
“Como será o amanhã?
Responda quem puder.
O que irá me acontecer?
O meu destino será como Deus quiser
(O Amanhã, canção de João Sérgio)
Jason Simões

domingo, 26 de setembro de 2010

REFLEXO DE DEUS X REFLEXO DA SOCIEDADE

Por Paula Simões

É no mínimo intrigante como a forma de ver e viver situações tem mudado no mundo. Por exemplo: antes, quem comandava o lar era o pai e a mãe; hoje, na maioria das famílias quem dita as regras e as rotinas da casa são os filhos. Há bem pouco tempo atrás, polícia era sinônimo de segurança, atualmente tem nos apavorado estar próximo de um policial; casamento era visto como algo sagrado, hoje é apenas um contrato; namoro era sinônimo de um casamento em potencial, hoje em dia significa um relacionamento - se é que posso chamar isso de relacionamento - sem compromisso, com intuito de apenas passar um tempo, ficar, enquanto não se acha alguém mais interessante; honestidade era considerada uma virtude, hoje é vista como falta de esperteza. Enfim, muita coisa tem sido mudada, trocada pelo próprio homem numa inversão de valores que se introjetou sorrateiramente na humanidade e foi ganhando forma na vida, nas situações do dia-a-dia. Valores como respeito, solidariedade, honestidade e bondade estão em extinção ou fora de moda.
Essa simples e comum reflexão me veio à mente no momento do meu devocional, quando me deparei com um texto, na verdade com duas atitudes de um personagem. O texto a que me refiro é o de Atos 8:26-40, em que Felipe obedecendo ao mandado de Deus sai do meio de muitos e vai ao encontro de um. Ele sai de Samaria, onde estava obtendo sucesso na propagação do evangelho, acompanhado por admiradores (Atos 8:5-8, 12 e 13) e vai em direção a um caminho praticamente deserto, em que a probabilidade de passar alguém por ali era mínima. Sai da posição de evidência para o anonimato no intuito de fazer a vontade do Senhor, de estar no centro do Seu querer, mostrando com essa atitude que o sucesso não enche os olhos, não deslumbra, não ocupa lugar de apreço nos valores de Deus.
A outra atitude que me chamou muito a atenção é que após encontrar o eunuco, explicar-lhe a palavra e anunciar-lhe Jesus, o alto oficial da corte da Etiópia, solicita a Felipe que o batize e o discípulo simplesmente o batiza. Ele não requer nada em troca, não aproveita do prestígio político do eunuco para se autopromover, não lhe dá uma lista com milhares de regras de conduta, não diz a qual igreja deve ir, não lhe exige oferta em dinheiro, não exige obediência cega e nem gratidão eterna, simplesmente o batiza e o recebe como irmão, deixando-o livre para fazer suas escolhas, balizado apenas em um único referencial: Cristo. Isso me leva a analisar como o evangelho em nosso país tem sido colocado num mercado de barganhas em que o fiel para receber o perdão de Cristo e fazer parte do reino de Deus tem que se enquadrar em normas de conduta, é obrigado a ofertar, sutilmente forçado a agir e pensar exatamente como seus líderes, sem o direito de ser livre para pensar e agir de acordo com o que Cristo falou ou agiu. Fomos chamados para pregar o evangelho a toda criatura (Mc. 16:15-16) e não para enquadrarmos, uniformizarmos pessoas.
Mas deixando Felipe um pouco de lado, outro fato que me emocionou e levou-me às lágrimas foi a preocupação que Deus em sua infinita glória teve com o eunuco. Como não amar a um Deus que nos contempla em um caminho deserto sem nenhuma perspectiva de que algo novo poderia acontecer, que nos enxerga em meio as nossas lutas e ativismo do dia-a-dia? Como não adorar a um Senhor que deseja que sejamos mais do que religiosos que vão à igreja alguns dias da semana para prestar culto, que deseja que a nossa adoração tenha verdadeiro sentido? O alto oficial da Etiópia tinha ido adorar a Deus em Jerusalém, era um homem como nós, que lia a palavra, orava, que ia ao templo, mas mesmo sendo um homem como outro qualquer, Deus olhou para suas inquietações, contemplou-as, mandando Felipe sair de seu lugar de estabilidade para outro lugar e situação totalmente desconhecidos a ele, só para saciar a sede de um coração sedento pelo Pai. Sabe, desde que me conheço por gente, vejo o tempo passar, pessoas mudarem, líderes espirituais desvirtuarem o evangelho – fruto da inversão de valores – mas nunca, nunca vi ou vivenciei uma mudança sequer no caráter, na personalidade ou nas virtudes de Deus (Tg 1:17b). Ele continua o mesmo! (Hb 13:8) Continua justo: a ele não se suborna ou se faz barganha; continua misericordioso e amoroso: deu-nos o que tinha de mais precioso, Seu filho para que morresse por nós e nos salvasse. Fez tudo isso por nós apenas por amor, só por amor e cabe a nós sermos imitadores de Deus na justiça, na misericórdia e no amor. Cabe a nós sermos reflexo das virtudes de Deus e não das inversões de valores apregoadas pela sociedade.
“E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento,...” Romanos 12:2a

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A EXCELÊNCIA SOB QUAISQUER CIRCUNSTÂNCIAS I Samuel 21:10-15

Pr Alexandre Carneiro


Antes de assumir o trono de Israel, Davi foi caçado infatigavelmente por seu antecessor que de certo modo já previa a sua ascensão política ao mais elevado posto do país. Davi viveu os mais difíceis dias de sua vida sob a ameaça contínua do rei Saul. O tipo de perseguidor no qual Saul se tornou não age por princípios éticos; não respeita lei, nem o direito; não poupa a família; mente, suborna e assassina. Saul, a despeito de ocupar um lugar privilegiado e possuir qualidades que o elevaram ao trono se sentia ameaçado por Davi. Os lugares de poder quando se sentem ameaçados se tornam violentos. por outro lado, muita gente em função de autoridade que sabe administrar pessoas comuns se desestabiliza quando recebe sob seu comando gente melhor preparada para certas funções. A vida e o desempenho público de Saul começaram a desmoronar quando a presença de uma pessoa capaz expôs a fraqueza dele e, aí, o rei partiu para o ataque. Toda liderança é questionável na circunstância em que para se manter precisa eliminar de seu círculo de convivência pessoas capazes. O trecho de I Sm 21:10-15 se situa nesse contexto e vai revelar nuances do comportamento de pessoas capazes sob clima de perseguição. Uma das primeiras invocações do texto grifa os territórios que enfatizam a manifestação de habilidades diferenciais e, ainda que a despeito da rejeição, os valores que brotam da alma não podem ser contidos. Essas duas questões devem seriamente ser consideradas.
Primeiramente, porque mostra a degradação de certos sistemas ou de certas lideranças que não sabem conviver com o talento, pois convivência com o talento requer certa grandeza; o fato é que, quando um ambiente se fecha para algum tipo de excelência representa uma escala baixíssima de dignidade humana. No entanto, a grandeza da alma humana não tem lugar específico para aparecer; brota em qualquer canto provável e improvável. Devemos considerar que a exemplo do que ocorreu com Davi e com outros mais, as pessoas que têm vocação para produzirem excelência farão isso sobre quaisquer circunstâncias. O talento humano possui vocação nobre e quanto maior for a resistência do lugar, mais nobre será a missão. Há de se convir que quanto maior for o grau de rejeição muito mais necessária será a presença de talento aí. Mas o que me chamou a atenção no texto foi o fato de Davi ter se passado por louco quando hóspede de Aquis, rei de Gate. Os súditos do rei o informaram da importância política de Davi em seu país, deduzindo-o uma ameaça. Ao tomar conhecimento do comentário, Davi temeu e fingiu-se de doido, de modo que babava e se esgravatava nos postigos das portas, fazendo com que todos acreditassem, inclusive o rei, que enlouquecera. O episódio me interessou e me motivou a questionar entre outras coisas: Qual a conduta adequada dos que operam a excelência quando perseguidos? O que significa de fato o princípio da dependência de Deus? Que lugar a matéria do fingimento tem na vida dos que almejam o bem? Como vocês podem ver, temos questões sérias para pensar!

domingo, 19 de setembro de 2010

Dons Espirituais: Talentos potencializados


Qual, ou quais talentos possuímos? Em que nos destacamos por nossa desenvoltura? Todos nós possuímos talento, sejam eles inatos ou adquiridos, mas possuímos. Alguém pode dizer que não possui talento, que não se destaca em nada. Ao me deparar com essa afirmação, lembro-me de um neuropsicólogo chamado Gardner que em seu livro “Margem da Mente: a teoria das inteligências múltiplas” escreve sobre a inteligência afirmando que os seres humanos são detentores, não de uma, mas, de sete inteligências e que, por percursos da vida, umas são mais estimuladas e outras não, mas as pessoas são capazes de desenvolver todas. Resumidamente, as inteligências são: a lingüística (característica de poetas, escritores, redatores, oradores, etc.), lógico-matemática (presente nos cientistas, advogados, matemáticos, etc.), corporal-sinestésica (o corpo age liderado pelo cérebro. Característica inerente a atletas, mímicos, atores, etc.), espacial (capacidade de formar modelos mentais no campo do concreto como fazem os arquitetos, engenheiros, escultores, decoradores, cirurgiões, etc.), musical (compositores, cantores e músicos de forma geral possuem essa forma de inteligência), naturalista (inerente a pessoas que distinguem, classificam e utilizam elementos do meio ambiente como biólogos, camponeses, caçadores, etc.) e a inteligência emocional que engloba intra-pessoal e interpessoal (a intra-pessoal corresponde a capacidade que a pessoa tem de auto-controle, auto-conhecimento. Pessoas com essa inteligência desenvolvida são grandes líderes. A interpessoal refere-se aquelas pessoas que têm grande poder de persuasão e de percepção do outro. É característica dos políticos, profissionais de marketing, pastores, etc.).

O que Gardner chama de inteligência em seu livro, aqui eu denomino de talento. Por falar em talento, novamente, como podemos usar estes talentos na propagação do Reino? Bem, antes de responder essa pergunta é necessário ter em mente que talento que propaga Reino de Deus, é talento potencializado pelo Espírito Santo. Sendo assim, deixa de ser talento para ser dom do Espírito Santo. Partindo dessa visão, da teologia sistemática, segue-se na linha de pensamento no que diz respeito à divisão de dons em duas vertentes: dons naturais e miraculosos. Respectivamente esses dons são definidos como relacionados a talentos de esfera mais humana, mais naturais e talentos relacionados a esfera do sobrenatural, menos naturais. O apóstolo Paulo em Rm 12:6-8 e em I Co 7:1-7, cita alguns dons naturais e miraculosos (o da palavra, sabedoria, profecia, casamento, celibato, etc.) e apesar de não citar todos, por serem muitos, ele afirma em Rm 12:4-7, 11, que há lugar, várias formas e modelos de exercê-los; e que eles são distribuídos pelo Espírito Santo que dá o dom a quem quiser, como quiser, se quiser e por quanto tempo quiser, objetivando o bem comum, o bem de todos da comunidade e a propagação do Reino de Deus. Pode-se exemplificar aqui, personagens bíblicos como Sansão (Jz 16:23-31) que tinha uma força absurda, dada por Deus, que lhe foi tirada por um determinado tempo de sua vida, mas que também retornou-lhe por um só e único momento, precedendo a sua morte.

Todavia, para que sejamos anunciadores do Reino, é necessário pontuar alguns pré-requisitos. Lendo o livro de Romanos 12:1-8, vê-se que é imprescindível estar disponível, dar-se a humildade e exercer com responsabilidade os dons distribuídos pelo Espírito Santo. Munidos desses pré-requisitos, estaríamos aptos a propagar o Reino, se Paulo tivesse parado no versículo oito; mas ele continua a escrever e a revelar o pré-requisito básico e indispensável para que o Reino de Deus seja difundido através de nossos dons: o amor.

Retornando a indagação do segundo parágrafo – como utilizar os dons (talentos potencializados pelo Espírito Santo) no Reino – a vida de Jesus é o maior exemplo de utilização dos dons na difusão deste Reino. Antes de qualquer exemplificação deve-se saber conceber que o Reino de Deus vai muito além dos muros da igreja, muito além das nossas reuniões, isso é apenas uma parte dele. Jesus exerceu seu ministério utilizando seus dons para o bem comum, o bem de quem estava a sua volta. Quem eram as companhias constantes de Cristo? A multidão. A multidão englobava doentes como a mulher do fluxo de sangue, os moribundos como o servo do centurião, marginalizados com a mulher que lhe lavou os pés na casa de Simão ou os cegos, aleijados e leprosos, pessoas aflitas como a viúva de Naim, enfim, pessoas comuns como eu e você. Ele exerceu tantos os dons naturais, quanto os dons miraculosos. Não se pode deixar de mencionar – o Novo Testamento está repleto de exemplos – suas curas e milagres, mas também a Bíblia revela que Cristo exercia maravilhosamente bem os seus dons naturais. Pode-se citar como forma de explanação, o dom de ensinar, de compaixão e de contar estórias (parábolas). Porém, o dom que Jesus exerceu e que alicerçou, solidificou, fundamentou e impulsionou todos os seus outros dons, foi o dom de se doar e de procurar desempenhá-los em prol do bem comum. Foi o dom de amar. Portanto, a exemplo de Cristo, se faz necessário que se olhe em volta, que se procure perceber as pessoas em suas necessidades e que se pratique os talentos que o Espírito Santo potencializa em prol do bem comum. Contudo, que isso seja realizado em amor, pois não havendo o amor, será apenas um talento, será apenas “(...) como um metal que soa ou como um sino que tine”, de nada se aproveita.

“(...) E eu que nada sou não tenho muito a dar, mas se eu tiver amor na vida que eu levar, eu saberei então, que o pouco que eu fiz não foi em vão. Valeu a pena sentir meu Deus feliz” (Stênio Marcius)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ensinar: Prática interventiva

Tenho muita dificuldade em aceitar quando alguém chega até mim e de forma arrogante ou, até mesmo desdenhando da minha prática - no caso, prática profissional - vem me ensinar como devo exercê-la, desenvolvê-la. E, se é alguém que tem nenhum ou pouco conhecimento sobre a minha profissão, aí é que essa minha incapacidade de creditar a opinião alheia se torna mais forte.
Certo dia, ouvindo uma música de Stênio Március, “Certezas” e, remoendo a letra desta, lembrei-me desse meu defeito. Reportei-me ao episódio da pesca maravilhosa do livro de Lucas, capítulo 5. Via-me em meio à multidão assistindo aquela cena fascinante, intrigante e esplendorosa.
Fascinante, pelo modo como Jesus age; pela sua calma, mansidão e humildade perante um milagre prestes a acontecer, e a forma como Pedro, homem do povo, desprovido de traquejos sociais, rude até, acata a sugestão do mestre que o orienta na maneira de conduzir, de desenvolver a sua prática profissional.
Intrigante, porque sendo Jesus um profissional da carpintaria, acostumado a lidar com o material concreto, com a madeira; que prevê a obra final do seu trabalho chega a se expressar com tanta convicção ao pontuar os procedimentos que um pescador acostumado a lidar com os imprevistos de um mar cheio de surpresas, que não lhe dá nenhuma prévia de como será o resultado de um dia de trabalho, deve tomar para atingir o seu objetivo final: a rede cheia de peixes. E, esplendoroso, pelo simples fato de que um milagre acontece ali, em meio à multidão e à natureza. Ocorrência esta que é inerente a quem compartilha uma caminhada com Cristo e consegue vislumbrar seus milagres no dia-a-dia.
Jesus, ao ver que os pescadores haviam desembarcado e que lavavam as suas redes (Lc. 5:2), percebeu quão tamanha era sua frustração por não terem obtido o resultado desejado de sua pescaria. Então, Ele intervém, talvez provocando em Pedro um pensamento sincrético: Como um carpinteiro pode opinar sobre a profissão de um pescador? Como alguém vem me ensinar o que eu mais sei fazer na vida? Eu já fui ao mar, passei a noite inteira e não peguei nada, como ele me manda ir novamente? Mas, Pedro resolve acatar a ordem do mestre e experienciar um dos momentos ímpares de sua caminhada com Cristo.

“(...) Não sei por que te ouço e lanço as minhas redes onde mandas
Que para estremecer a minha alma voltam cheias, se rasgando
O que fizeste das minhas certezas, do que eu pensava ser?
Percebo agora, que não passo de um pequeno barco à deriva!

Retira-te de mim porque sou pecador!
Mas deixa vir no vento Teu perfume, Tua voz, Teu ser que é Santo.”

Jesus intervém em nossas vidas de muitas formas e em todos os seus setores (profissional, amorosa, financeira, espiritual). Faz isso por amor, por preocupar-se conosco, por sermos importantes para ele. Muitas vezes, as suas intervenções chegam a nós causando-nos estranheza e pensamentos conflituosos como aconteceu com Pedro na pescaria maravilhosa. Cabe a nós acolhermos ou não a intervenção do mestre. O que posso afirmar aqui, é que ao acolher a decisão de Jesus, Pedro pôde experimentar o sabor de ter obedecido à voz daquele que sabe mais e que, por amor, orienta, conduz os passos e se responsabiliza pelo resultado final dessa decisão.